sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Caleidoscópio

A sociedade do século XXI tem suas particularidades, evidentemente. Uma leitura comum acerca delas é a que considera esse momento uma involução em relação aos que o antecederam. Lugares comuns desse pensamento são: o nosso pertencimento a uma geração que consome desenfreada e irrefletidamente; no embate aparência versus essência, a vitória da primeira – reflexos da crise generalizada de valores que enfrentamos.

Nessa realidade alienada, violenta e sem perspectivas, tudo o que podemos fazer é esperar pelo fim do mundo – na virada do milênio? em março ou outubro de 2011 como preconizou aquele líder protestante norte-americano que não se contenta com uma gafe só? em 2012 conforme as profecias maias? ou teria sido ontem, 11-11-11, às 11h11?

De minha parte, penso que em um dia qualquer, independentemente de previsões astrológicas, astronômicas, científicas, lógicas, matemáticas ou religiosas, tudo pode acabar, como acabou para os dinossauros, para recomeçar ad infinitum, como acontece com o sentimento naquela croniquinha bonita do Paulo Mendes Campos, “O amor acaba”.

Mas o que me interessa agora é o mundo em que meu filho vai nascer. E fico feliz em poder dizer que para mim ele não é apocalíptico como o querem muitos. Eu vejo o que há de feio no mundo, mas não quero deixar a vista turvar por isso. Eu quero igualdade, educação e comida pra todos, menos violência e um montão de coisas mais, e vou lutar por isso, e ensinar o mesmo ao meu filho; mas quero também mostrar a ele o quanto o ser humano já fez, o quanto se conquistou, e por que vale a pena viver o nosso momento, ao invés de mergulhar no saudosismo.

“Porque no meu tempo...”

* * *

O meu tempo é agora, e no meu tempo uma mulher pode estar na presidência do meu país, um negro à dianteira do governo dos Estados Unidos. A mulher tem direito ao voto – quant@s morreram por isso! Todos têm direito ao voto. O voto é direto e eu vivo em uma democracia.

Embora haja vários tipos de escravidão, a escravidão legalizada do negro foi abolida, o apartheid chegou ao fim e há um debate aberto sobre como minimizar as consequências desse fato histórico. Homossexualidade não é distúrbio. Ninguém mais leva o filho ao psicólogo pra se “curar” dela. Mulheres conquistam cada vez mais terreno no mercado de trabalho. Criou-se a lei “Maria da Penha”. Tatuado não é mais “tudo marginal”.

No meu tempo a LIBRAS é considerada um idioma, e disciplina obrigatória para todas as licenciaturas. Há direitos especiais garantidos por lei aos deficientes e cada vez mais cresce o respeito por eles.

No meu tempo cresce o número de vegetarianos – eu ainda chego lá! – cada vez mais se tem consciência de que pele de animal não é matéria prima para roupa de gente (o que antes era considerado totalmente “normal”). Quem abriga um bichinho não é mais “dono” e sim “tutor”. Cresce o número de adeptos ao fim do rodeio e dos maus tratos aos animais em geral. A rinha foi proibida! As pessoas estão substituindo as sacolas plásticas pelas de papel. A reciclagem devagar vai se tornando um hábito.

No meu tempo não há mais propaganda de cigarro que prega que cigarro faz bem para os dentes, que é indicado por médicos, aliás, não há mais propaganda de cigarro, aliás, os não fumantes veem respeitado o seu direito de não fumar passivamente em lugares públicos e fechados.

No meu tempo as pessoas podem ler o que quiserem, de Aristóteles a Bruna Surfistinha, primeiro porque não há censura por parte da Igreja ou do Estado, segundo porque o aprendizado da leitura e da escrita não são mais privilégios da aristocracia.

* * *

Não vou pintar um mundo todo azul para meu filho, não vou tentar convencê-lo de que o mundo é perfeito e que não precisa melhorar, porque ele não o é, e eu quero não só que ele saiba disso, mas também que se veja responsável pelo seu momento, seja agente da mudança, sujeito de sua história. Mas também não vou pintar-lhe o mundo de cinza.

Quero dar a ele um mundo repleto de tons, uma paleta com todas as cores, uma escala com todas as notas.

E que ele descubra que a aparente ausência do branco é a sutil presença do todo, que se faz boa música usando acidentes, e quão infinitas são as possibilidades do olhar.

Ao Otávio Augusto, minha inspiração de viver.

3 comentários:

  1. oi,mocinha...falar voce falou lindamente,mas existem muitas coisas ainda a serem minuciosamente elucidadas,neste mundo e nesta época nossa,tão turbulenta e hostil...eu não iria tão longe,pois ainda estamos,todos,vivendo sob a ótica,consequencias e percepção de uma criação feita sob medida nos moldes do século XX para nossa geração,e é com esta cabeça que criaremos os nossos descendentes,não nos iludamos...voce fala algo que me desperta:sobre a censura - esta não precisa mais ser feita nos moldes antigos:é dentro de nossas convicções fortemente arraigadas,e das convenções morais e sociais que ela nos cerceia,sempre,como um chip fortemente implantado em nós...ah,gostei da tela,e tudo de bom pro nenem,mostrar-lhe que a vida é bela é a missão de todas as mamães...mas,saiba que seu filho,com certeza,já sabe o que é este mundo...pois ele já está aí!

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  2. Paula, emocionante o texto! Mostrar pro O.A. todas as cores da paleta! yeah! também acho que estamos avançando, de certo modo. Por outro lado, o "politicamente correto" (sacolinha, vegetarianos, etc) talvez funcione mais como lenitivo. A censura tem pegado. Gostei do que a Patrícia falou aí em cima: a censura tá dentro da gente. E também no ACTA e no SOPA. Em todo caso, um viva ao hoje!

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